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Grande parte dos pioneiros do Sul do Brasil que chegaram ao Mato Grosso na dĂ©cada de 1970 em busca de terras nĂ£o tinha escola ou hospitais prĂ³ximos. Muitos dos adultos de hoje foram alfabetizados em casa pelos pais, e dependiam de remĂ©dios caseiros.
No inĂcio, caçavam se alimentar e viveram embaixo de tendas de lona. Quando precisavam de hospitais, percorriam longas estradas de terra atĂ© cidades maiores, Ă s margens da BR-163, que corta verticalmente o Mato Grosso.
Em menos de 50 anos, a realidade dessas cidades, e das segunda e terceira geraĂ§Ă£o dos pioneiros, nĂ£o Ă© diferente da de brasileiros do Sul e do Sudeste. Vivem em municĂpios modernos e organizados, com rodovias asfaltadas para suas caminhonetes e SUVs, escolas e hospitais bem montados e campos de pouso para pequenos aviões.
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O Mato Grosso concentra o primeiro, o terceiro e o quarto lugares entre os municĂpios que mais produzem grĂ£os no Brasil. Outras sete cidades do estado estĂ£o na lista dos 20 mais importantes.
SĂ£o municĂpios que se tornaram polos de atraĂ§Ă£o de investimentos para alĂ©m do agronegĂ³cio, com expansĂ£o imobiliĂ¡ria acelerada e criaĂ§Ă£o de empregos para migrantes de outros estados. O setor de serviços tambĂ©m tem boa qualidade e diversidade nessas cidades.
Em 16 anos, o PIB do Mato Grosso cresceu 121,3%, segundo a MB Associados. Como comparaĂ§Ă£o, a evoluĂ§Ă£o do paulista foi de 41,5%.
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Segundo o MinistĂ©rio da Agricultura e PecuĂ¡ria, Sorriso, Sapezal e Campo Novo do Parecis, visitados pela Folha, encabeçam a lista dos maiores produtores no estado. Do ponto de vista polĂtico, ainda mostram sinais ostensivos de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com bandeiras do Brasil e fotos do ex-mandatĂ¡rio por todo lado.
Ă€ margem da BR-163 e a 397 km ao norte de CuiabĂ¡, Sorriso expandiu-se em seus 37 anos a ponto de novos condomĂnios fazerem divisa com fazendas de soja e milho. Na chamada Cidade Nova, do outro lado da BR-163, para onde Sorriso agora se expande, praticamente todos os lotes de um novo empreendimento com 1.000 terrenos foram comercializados dias apĂ³s o lançamento.
Os mais baratos, de 300 m², saĂram por R$ 150 mil. Os mais caros, de 1.368 m², a R$ 1,5 milhĂ£o, vendidos a investidores locais e de fora. De acordo com a Brasil ImĂ³veis, o plano Ă© incorporar mais 20 mil lotes Ă Ă¡rea.
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Segundo o prefeito Ari Lafin (PSDB), desde que assumiu Sorriso, em 2017, a populaĂ§Ă£o cresceu de 85 mil para 110 mil habitantes; e o PIB da cidade saltou de R$ 3,9 bilhões para R$ 14 bilhões com a chegada de novas empresas e sedes contĂ¡beis de fazendas de vĂ¡rias partes do Mato Grosso.
“O maior problema hoje sĂ£o as escolas. Temos cem crianças a mais por mĂªs procurando vagas devido ao fluxo de gente que vem para cĂ¡”, afirma. Nos prĂ³ximos meses, serĂ£o inauguradas mais cinco unidades, acrescentando 1.200 vagas Ă rede de ensino.
Apesar do crescimento populacional, um dos problemas de Sorriso Ă© conseguir mĂ£o de obra para a construĂ§Ă£o de novas moradias, comĂ©rcios e silos para armazenamento de grĂ£os, o que leva construtoras a importar trabalhadores.
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“Tenho 150 vagas para contrataĂ§Ă£o imediata, mas consegui sĂ³ 50 pessoas nos Ăºltimos dias”, diz a catarinense Claudiane Guerrini, radicada hĂ¡ 16 anos em Sorriso e gerente de recursos humanos da construtora Escal.
Quando a reportagem esteve na cidade, Guerrini fechava a contrataĂ§Ă£o de 18 trabalhadores do MaranhĂ£o, trazidos por Janildo Soares, 53, que costuma arregimentar mĂ£o de obra em seu estado. No hotel em que a reportagem se hospedou, um maranhense recĂ©m-chegado nĂ£o sabia como funcionava o elevador.
A multiplicaĂ§Ă£o de casas e de gente faz com que uma sĂ©rie de empreendimentos puxem outras atividades.
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Segundo o paranaense Oliandro Albino, 42, hĂ¡ 35 anos em Sorriso, sua empresa de 27 funcionĂ¡rios comercializa e instala atĂ© dez piscinas de fibra de vidro por mĂªs, ao preço mĂ©dio de R$ 25 mil cada. “SĂ£o para a classe mĂ©dia”, diz. Das mais caras, de alvenaria, vende 35 ao ano, por R$ 250 mil cada.
A riqueza de Sorriso, assim como de cidades vizinhas, vem principalmente de plantações de soja, milho, feijĂ£o e algodĂ£o —alĂ©m de outros negĂ³cios que crescem na cidade. A nova febre na regiĂ£o sĂ£o as usinas de etanol de milho, que se espalham ao longo da BR-163.
Adriano Melo, 30, que trabalha em uma fazenda hĂ¡ 13 anos operando mĂ¡quinas agrĂcolas, ganha R$ 6.000 “limpos” por mĂªs e diz que, com a ajuda da renda da mulher —contadora em uma financeira local— comprou um imĂ³vel avaliado em R$ 250 mil. Agora, prepara-se para construir uma segunda casa, para alugar. Em Sorriso, o aluguel de um imĂ³vel de dois quartos pode superar R$ 2.500.
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Melo trabalha para Thiago Stefanello, dono de uma fazenda vizinha a Sorriso, onde produz soja, milho e feijĂ£o. Neste ano, apesar da boa safra, Stefanello reclama do preço. “Começamos vendendo soja em janeiro a R$ 160 a saca. Agora, estĂ¡ a R$ 105. Sem espaço para armazenar para esperar um preço melhor, meu ‘salĂ¡rio’ caiu. É o mercado. PaciĂªncia.”
Em boa parte das fazendas da regiĂ£o, como na de Stefanello, a Ă¡rea de plantio parece consolidada, com plantações cortadas por zonas de preservaĂ§Ă£o ambiental. Na regiĂ£o de cerrado, que engloba parte do Mato Grosso, a preservaĂ§Ă£o, segundo o CĂ³digo Florestal, deve manter 35% da Ă¡rea intacta.
A 374 km de Sorriso, no oeste do estado, Campo Novo do Parecis Ă© outro municĂpio em forte expansĂ£o. Sua histĂ³ria começa antes da emancipaĂ§Ă£o, em 1988, quando o gaĂºcho Armando Brolio, aos 33 anos e pai jĂ¡ falecido do atual vice-prefeito, Antonio Brolio (Republicanos), 50, chegou Ă regiĂ£o.
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Em 1974, os Brolio ocuparam terras da UniĂ£o, estimulados pelo governo militar Ă Ă©poca para povoar Ă¡reas distantes do paĂs.
No inĂcio, a famĂlia dormia sob lonas e caçava para se alimentar. O tĂtulo de propriedade sĂ³ sairia em 1979. Foi Armando, o pai, quem doou uma Ă¡rea de sua propriedade para a construĂ§Ă£o de Campo Novo do Parecis, que começou a partir de uma hospedaria. Hoje, a fazenda da famĂlia Ă© contĂgua a um dos limites do municĂpio, que cresce para todos os lados.
Entre o final de 2016 e maio deste ano, o total de empresas em Campo Novo do Parecis saltou de 1.454 para 5.518. Segundo Brolio, a falta de mĂ£o de obra Ă© generalizada na cidade de 46 mil habitantes. “Se chegassem 2.500 pessoas agora, todos arrumariam trabalho”. Em sua fazenda, hĂ¡ trĂªs vagas em aberto, com salĂ¡rio de R$ 3.000, para serviços de ajudante geral.
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A 109 km a oeste de Campo Novo dos Parecis, por estrada que atravessa a reserva indĂgena Utiariti, Sapezal Ă© outra das cidades da regiĂ£o em forte expansĂ£o. A populaĂ§Ă£o local chegou a 29 mil pessoas no censo de 2022, com aumento de 60% em comparaĂ§Ă£o a 2010.
Diferentemente de outras fazendas da regiĂ£o, sĂ£o grandes grupos do agronegĂ³cio que dominam as terras e a produĂ§Ă£o no entorno. A cidade foi idealizada por AndrĂ© Antonio Maggi, fundador do grupo Amaggi, gigante do setor que compete na regiĂ£o com grupos como Scheffer e Bom Futuro.
Altair de Lara, 42, coordenador da filial da empresa de mĂ¡quinas agrĂcolas Case em Sapezal, afirma que, em safras boas, chegou a vender 83 colheitadeiras em um Ăºnico ano. Em mĂ©dia, sua concessionĂ¡ria fatura cerca de R$ 200 milhões anualmente.
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Para atender a demanda por Ă³leo diesel para as mĂ¡quinas nas fazendas, outro fazendeiro e empresĂ¡rio local, Vanderlei Bianchi, 47, montou uma empresa de distribuiĂ§Ă£o que comercializa 8 milhões de litros de diesel por mĂªs.
“Quando cheguei aqui, aos sete anos, era minha mĂ£e quem dava aula, e o mĂ©dico mais prĂ³ximo ficava a 200 km. Hoje, nĂ£o falta nada”, diz Bianchi.